O Dia dos Povos Indígenas, celebrado em 19 de abril, vai muito além de uma simples homenagem: é um chamado à escuta, à valorização e à reparação histórica das mais de 300 etnias indígenas que vivem no Brasil. A data, antes conhecida como “Dia do Índio”, passou por uma necessária transformação de nomenclatura, refletindo uma visão mais justa e respeitosa sobre os povos originários do país.
A substituição do termo “índio” por “povos indígenas” foi oficializada com a Lei 14.402/2022, sancionada pelo então presidente Jair Bolsonaro. A mudança não é apenas semântica. O termo “índio” carrega uma carga histórica de estereótipos e homogeneização, como se todas as etnias, com suas culturas, línguas e modos de vida distintos, fossem um único grupo.
Segundo Ailton Krenak, líder indígena e escritor, o termo “índio” foi uma invenção dos colonizadores, que ao chegar ao Brasil acreditavam ter encontrado as Índias. “Nos chamarem de índios é uma violência simbólica. Somos povos com nomes, culturas e histórias próprias”, afirma Krenak em diversas de suas falas públicas e em seu livro Ideias para adiar o fim do mundo (Companhia das Letras, 2019).
Criada em 1943 por Getúlio Vargas, a data remete ao I Congresso Indigenista Interamericano, realizado em 19 de abril de 1940, no México, com a presença de lideranças indígenas de diversos países das Américas. Desde então, a data no Brasil era celebrada como “Dia do Índio”, muitas vezes de forma folclórica, desrespeitando a complexidade e o protagonismo desses povos.
Hoje, com a mudança de perspectiva, o foco é outro: celebrar a resistência, os saberes ancestrais, as línguas, a espiritualidade, os territórios e a luta por direitos. São mais de 1,6 milhão de indígenas no Brasil (IBGE, Censo 2022), que seguem enfrentando desafios como o avanço do agronegócio sobre terras demarcadas, o garimpo ilegal, o racismo estrutural e a negação de direitos básicos.
Cada povo indígena guarda um universo próprio. Há línguas que só existem em pequenas aldeias, cosmologias que explicam o mundo com beleza e profundidade, e rituais que conectam corpo, espírito e natureza. O povo Yanomami, por exemplo, realiza rituais de cura e de passagem que envolvem toda a comunidade. Já os Guarani Mbya, do sul do país, preservam sua língua e espiritualidade mesmo diante da urbanização crescente.
Como destaca a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, em entrevista à Revista Piauí (2020), “o conhecimento indígena sobre biodiversidade, medicina natural e equilíbrio ambiental é um patrimônio da humanidade que está sendo destruído sem que sequer o compreendamos por completo”.
O Dia dos Povos Indígenas nos convida à escuta ativa, à leitura de autores indígenas, ao apoio a projetos autônomos e à defesa dos direitos territoriais. Mais do que celebrar, é preciso respeitar, proteger e aprendercom esses povos que vivem no Brasil há milhares de anos – e que continuam ensinando o que é viver em harmonia com o planeta.
Como afirma a liderança indígena Sônia Guajajara, atual ministra dos Povos Indígenas, “nós não somos o passado do Brasil. Somos o presente e queremos ser parte do futuro”.
Fontes consultadas:
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – Censo 2022
Ideias para adiar o fim do mundo, Ailton Krenak (Companhia das Letras, 2019)
Lei 14.402/2022 – Diário Oficial da União
Entrevista com Sônia Guajajara – El País Brasil, 2021
Entrevista com Manuela Carneiro da Cunha – Revista Piauí, 2020
Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI)
APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil